mancusices
Maria, minha mãe, leria de cabo a rabo. ela diria — carlinhos, não entendi isso —; se estivesse com raiva, diria — carlos henrique! para com isso! —; engraçado, depois que passei de um metro e dez, ela nunca mais teve raiva, deixou essa carga sobre mim. definitivamente, fomos muito amigos.
carlos mancuso
carlosmanc@gmail.com
quarta-feira, 23 de novembro de 2022
movimento rápido
deito, está alta a madrugada, não importa, estou de férias. o sono vem rápido. logo em seguida, desperto e noto que a porta ficou aberta. levanto e vou fechá-la, mas não encontro o trinco, então me lembro que aquela é apenas a porta do quarto, nunca a tranco. acho que minha confusão é o sono, não estou bem acordado, penso. então vejo que deixei a luz da sala acesa, acho o descuido estranho. e a janela também está aberta, e, como é uma casa, a janela está no nível da rua. sinto-me assustado, a luz do outro quarto também está acesa; pergunto-me como posso ter largado tudo assim e imagino que possa existir mais alguém dentro da casa. sinto um estranhamento completo do mundo e da vida e me percorre medo, há um falha na lucidez, olho rapidamente em torno e me digo assustado — estou sonhando!
então as luzes se apagam, o mundo se desfaz e, por mais um instante, digo-me que é melhor acordar, mas continuo ali, numa antesala entre os dois mundos; meu coração dispara pelo susto de estar consciente dentro do inconsciente e desejo sair logo, é um lugar grande demais, perigoso demais para a frágil consciência, volto devagar e acordo incomodado.
fácil interpretar, minhas portas e janelas estão abertas, estou me expondo demais, e nem todas as visitas são bem-intencionadas. minhas luzes estão acesas o tempo todo e preciso me desligar para descansar, preciso me desapegar.
não quero explorar tanto meus sonhos, não quero entendê-los profundamente, quero apenas segui-los. se eu acordar e viver dentro de meus sonhos, não os terei mais, eles terão a mim.
queria levá-la para mostrar que coloquei lá dois espelhos, um para ela também; mas lá só tenho ido sozinho e, sem ela, não posso ver o que o dela reflete. assim, para não ficar solitário, o meu também não me reflete.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
voo
pego a bicicleta e vou pro sumaré. depois do que aconteceu, pedalo com
uma força incomum. no meio da floresta, uma borboleta branca vem
voando desengonçada — borboletas voam assim porque não nasceram
aladas, têm de aprender depois de velhas, as lindas desajeitadas.
então ela vem voando ao meu lado, parece fazer um esforço fodido pra
me acompanhar. pedalo com esforço também, é subida. ela atravessa na
minha frente e toca minha bochecha, a direita. eu recebo o beijo sem
susto, mas ela sai mais atrapalhada ainda, se batendo com suas asas
mais bonitas que eficientes. consegue se safar, voa pra lá. arriscou a
vida pra me beijar. outros vão dizer que foi coincidência. sei que não
é exatamente assim, mas qual beijo não é uma coincidência?
uma força incomum. no meio da floresta, uma borboleta branca vem
voando desengonçada — borboletas voam assim porque não nasceram
aladas, têm de aprender depois de velhas, as lindas desajeitadas.
então ela vem voando ao meu lado, parece fazer um esforço fodido pra
me acompanhar. pedalo com esforço também, é subida. ela atravessa na
minha frente e toca minha bochecha, a direita. eu recebo o beijo sem
susto, mas ela sai mais atrapalhada ainda, se batendo com suas asas
mais bonitas que eficientes. consegue se safar, voa pra lá. arriscou a
vida pra me beijar. outros vão dizer que foi coincidência. sei que não
é exatamente assim, mas qual beijo não é uma coincidência?
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